A gente anda com pressa demais pra morrer. Anula os sonhos, os anseios, as saudades. Anula o beijo a salivar. Buscamos o mundo perdendo as horas. Velamos diariamente os nossos melhores momentos.
A gente tem pressa demais. Pressa pra que a hora passe. Pressa que a vida acabe. Pressa pra dizer adeus. Velamos presença com a chama da ausência. A gente desiste de perdoar.
A gente, tão informal na língua, cria a forma mais culta de dizer 'nós'. E esquece que nós é mais que eu, mais que ele, mais que ela. 'Nós', há muito tempo deixou de ser plural. O pronome agora anda solitário pelas ruas tristes de uma cidade comum. Ele antes, tão complexo, tão contábil, tão plural, agora tem pressa. Vive com pressa, dorme e amanhece na pressa. Na pressa de viver e na ânsia de morrer, ficou vazio.
A gente deixou de ser plural há muito muito muito tempo atrás. Ninguém mais se importa, ninguém mais estende a mão, ninguém lembra que um dia, mesmo num dia qualquer, precisou do outro, precisou de alguém, precisou ser plural.
A gente virou ninguém, nós viramos ninguém. Esquecemos de sentir saudade. Desistimos de voltar atrás, de subir aquele morro, de descer naquela rampa, de escutar a canção. A gente outrora já foi pleonasmo, agora tão pouco restou como pronome.
A gente anda coisa 'indentificável'. Porque a morte chegou cedo demais. Morremos homeopaticamente em cada manhã bonita. Porque viramos sujeitos indeterminados, tanto de 'cara' como de coração. Viramos também sujeitos ocultos. Ocultos no sorriso, no abraço ou na dor do outro. Foi a gente mesmo que escolheu morrer cedo demais.